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Reflexão

Pão de Batata

Um pão de batata em vinte minutos

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Tinha acabado de chegar ao hotel na pequena Águas de São Pedro, SP, depois de mais um dia inteiro em expedição – o Projeto Águas do Amanhã – pelo Rio Piracicaba. Estávamos eu e meu amigo Dan Robson fazendo um monitoramento da qualidade da água por todo o rio.

Deixei a mochila e equipamentos no quarto e fui ao centro comercial da pequena cidade tomar um café ou algo do tipo. No caminho, encontrei um sebo onde comprei pela segunda vez o livro “Bagagem”, da Adélia Prado, pois precisava da companhia de uma boa poesia para me transcender depois de um dia de muito trabalho.

Fui a uma cafeteria e sentei em uma daquelas mesas de calçada, ao lado de uma praça onde algumas pessoas de idade mais avançada, aparentemente aposentados, jogavam dominó. Ali olhando o cardápio acabei pedindo um suco e um pão de batata e a situação para minha reflexão começou quando a dona da cafeteria me disse que o pão iria demorar uns vinte minutos, já que era assado na hora. “Como assim?”, eu perguntei. “Você está me dizendo que vou precisar esperar vinte minutos para comer um pão de batata?”. A moça, muito gentil, me explicou que sim e pediu minha compreensão, pois seria feito na hora e especialmente para mim.

Eu não conseguiria esperar tanto tempo por um simples pão de batata… talvez meu estômago sim, mas eu não. Levantei, saí do local e estava disposto a procurar outro lugar mas, não caminhei nem dez metros e me questionei o porquê eu não poderia esperar os vinte minutos pelo pão, sendo que não tinha exatamente nada para fazer. Foi então que eu percebi que, naquela mesa na pequena Águas de São Pedro, estava sentado o meu “eu demasiadamente urbano”.

O Dr. Stephen Bertman, professor emérito na Universidade do Canadá, em Windsor, cunhou a cultura de nosso tempo de “cultura agorista” para representar nosso estilo de vida nos grandes centros urbanos. Estilo esse que vivemos sem tempo para nada, nem mesmo tempo para comer slow foods, apenas nos alimentamos para manter as baterias carregadas e continuar correndo.

De fato, eu já estava disposto a mudar esse modo de viver ansiosamente mas, quando menos percebi, estava apressado mesmo em condições onde não havia necessidade para tal. Não sei dizer algo psicologicamente a respeito, mas o que percebo é que estava ligado no automático aquele dia e ainda tantas vezes, até hoje, me sinto como que “programado de fábrica” para viver assim, apressadamente.

Confesso que ainda não estou livre, interiormente, da parte da minha vida que representa isso que chamo de meu “eu demasiadamente urbano”. Talvez eu nunca esteja verdadeiramente livre, mas não quero me render à “cultura agorista” cunhada por Bertman.

Quero continuar inconformado comigo mesmo enquanto eu não for capaz de enxergar a beleza de ficar sentado na calçada de uma praça do interior por apenas vinte minutos, sem absolutamente nada para fazer durante ou depois. Quero lutar contra a minha forma de viver apressadamente e contra esse meu eu demasiadamente urbano.

Voltei para a cafeteria e humildemente disse à moça para, por favor, colocar o pão de batata no forno. “Vou aguardar os 20 minutos, obrigado”.

Alan

Uber_Taxi

Igreja Uber ou Táxi

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Dizer que os tempos mudaram é chover no molhado, já estamos cansados de ouvir sobre pós-modernidade, modernidade liquida, hipermodernidade e outros termos que se resumem em uma mesma conclusão para todo neologismo empregado a esse novo tempo que estamos vivendo.

O que precisamos fazer agora não é mais se gastar provando que o tempo não é mais o mesmo, mas partir do pressuposto que os tempos mudaram e traçarmos um caminho para seguir, ou seja, se de fato os tempos mudaram (ou estão mudando), o que vamos fazer com essa informação? Mais um artigo ou um plano de ação?

Se você está acostumado a correr em uma esteira as chances das coisas ao seu lado (paisagem) mudarem é quase nula, agora se você sai para correr pela rua tudo ao seu redor está em constante mudança, e você precisa mudar para melhor se adequar as mudanças.

Uma corrida que começa na pista de um condomínio, mas chegando em um determinado ponto a pista continua para fora dos portões (na rua), você não pode correr na rua como quem corria dentro do condomínio, a rua vai exigir maior atenção, pausas para farol e etc., caso você corra na rua como quem corre no condomínio isso pode custar a sua vida.

No mundo hoje o acomodamento diante das relevantes mudanças que vivenciamos eu não diria que pode custar sua vida, mas certamente vai resultar em sua estagnação (correr em esteira).

Alguns sinais na sociedade evidenciam bem essas mudanças, como por exemplo no caso do transporte individual o famoso aplicativo UBER, que percebendo a invariabilidade do TAXI veio com uma enorme evolução para o mercado.

O TAXI foi o mesmo durante muito tempo, diria que durante décadas, mas ele era o mesmo em uma sociedade em constante mudanças de tecnologia e de valores éticos e morais, e não mudou para atender a sociedade, pensou estar correndo em uma esteira, e por não acompanhar essas mudanças do meio em que estava; hoje sofre com a concorrência (UBER) que chegou contextualizado com o mercado.
Os empreendedores da UBER não fizeram uma nova pesquisa para provar que a era digital chegou, mas usando a informações e o percebimento que o tempo mudou, reinventaram um dos principais meios de transporte.

A igreja também não fica isenta das transformações da sociedade atual, ela precisa mudar, se reinventar e se adaptar para o novo perfil de pessoas da cidade em que está realizando a missão de Deus. Do contrário, se entenderem que estão em uma esteira, onde nada ao redor muda, e que por isso nada que faz precisa mudar, vai estar literalmente em uma esteira, não vai chegar a lugar nenhum.

Eu sei que falar que a igreja precisa mudar e se ajustar a sociedade em seu torno é entregar pedras aos fundamentalistas para por eles ser apedrejado, para tanto permita me defender, a mudança proposta não é no que se restringe aos pilares da fé, credo, evangelho, o plano de Deus na salvação do homem, mas ao que se diz respeito ao seu formato, liturgia e organização. Enquanto sacralizarmos o formato de nosso culto, a sua organização e liturgia diante de uma sociedade em constante mudanças estaremos correndo em esteiras e provando para todo mundo o quanto somos religiosos.
O TAXI poderia ter mudado sua forma de atuação, mas a filosofia do “que sempre foi assim e deu certo” o levou ao declínio que enfrenta hoje. Frases desse tipo que usamos para justificar a mesmas ações de décadas passadas são a armadilha a armadilha de hoje.

Algumas igrejas vivem em uma outra realidade e talvez não carece de muitas mudanças, mas igrejas instaladas em grandes centros urbanos e que são exatamente a mesma desde a sua inauguração “a 35 anos atrás”, certamente é
necessário revitalizar, torná-las “Igrejas UBER” e deixar de ser “Igreja TAXI”

Alan

Criança_Relógio

Crianças com relógio

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Era sábado e eu estava com um amigo indo deixar sua pequena filha Giovana, de uns 6 anos, na aula de inglês. Recordo que o dia mal tinha nos dado bom dia e já estávamos ansiosos pelo trânsito afora, apressados para não chegarmos ainda mais atrasados na escolinha de inglês.

Enquanto o farol parecia eternamente fechado, reparei uma criança do lado de fora que, de mãos dadas com sua mãe, tentava se equilibrar nas rodas dos patins. Diferente da Giovana, essa criança logo cedo brincava. Usei a criança lá fora à nossa vista como ponto de contato para puxar assunto com a Giovana:

Você tem patins?

Tenho sim, mas não tenho tempo de andar.

Não sei muito sobre ela, meu amigo disse que ela nasceu de oito meses. Fiquei imaginando sua mãe gestante dentro do carro, com a bolsa estourada, cheia de pressa para chegar logo ao hospital, sentindo medo de não dar tempo e acabar tendo a bebê no carro.

Giovana de fato chegou ao mundo antes do dia esperado mas, mesmo assim, o que parece é que agora ela vive atrasada nele.

As pessoas não suspiram por ar, suspiram por tempo. Procuram o tempo como que desesperados. O buscam como cegos tateando. Mas nunca o encontram o esperando. Vivemos correndo e não encontramos tempo para parar de correr.

Vejam a perversão que se transformou a vida pós-moderna.

Giovana, desde um ano de vida, já passa nove horas por dia na escola e agora um pouco mais: ainda tem que fazer inglês, natação e balé. Seus pais estão investindo tudo o que têm nela, desde cedo. Querem produzir um adulto de alta performance, estão muito preocupados com o seu futuro. Só que estão esquecendo do seu presente, como criança.

Importante agora para seus pais não é o seu presente, é o orgulho que sentem de sua filha. Quando estão no convívio social, Giovana é como um troféu, a melhor criança do mundo. De fato, o pouco que estive com ela, me pareceu mesmo ser uma menina super inteligente, diferenciada das outras de sua idade, quase uma adulto-mirim.

Mas será que tudo isso vale a pena?

Proibimos as crianças de se melar com o chocolate, comer guloseimas, deixar o quarto bagunçado, mas as deixamos vulneráveis à inversão de valores da nossa sociedade pós-moderna. As crianças estão desde pequenas algemadas à falta de tempo.

A última coisa que quero ensinar para meu filho é a interpretar as horas. Vou lhe proibir os palavrões assim como as palavras do tipo: “que horas são”, “estou atrasado”, “já estou indo”.

Não quero lhe ensinar a ser descomprometido mas, antes de lhe ensinar a importância que tem o cumprimento de horários, agenda e disciplina, quero lhe ensinar a ser criança.

E quem sabe ele aprenda…. e quem saiba ele me ensine a ser como ele… a brincar mais e a correr menos.

Alan

escutar

O que dizer?

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O que dizer à uma sociedade que parece estar surda? Os indivíduos que a compõe se fecham cada vez mais em suas redomas de proteção, e para dentro destas redomas só levam o que julgam necessário.
Buscando momentos de serenidade e meios para apaziguar a alma e o espírito, muitos recorrem semanalmente a algum tipo de encontro religioso ou filosófico. É comum em todos estes certames a queixa de “Surdez Conveniente”, ou seja, quando o ouvinte se torna seletivo e escuta apenas o que lhe agrada – nos demais momentos se   torna surdo por conveniência.
No ambiente Cristão este fenômeno também é observado, aliás com nitidez e contornos bem fortes. Em locais onde a Bíblia é pregada com integridade, coerência e parâmetros hermenêuticos sérios; aplicações profundas podem ser retiradas para vida, contudo para maioria dos ouvintes estas potenciais aplicações “entram por um ouvido e saem pelo outro”.

O que dizer? Como alcançar? Podemos começar praticando, isso mesmo, praticando o que já recebemos e o que já aprendemos. Transformar as palavras em atitudes, a teoria em prática. Existe uma frase atribuída a muitos autores que diz: “Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz.” Que tal demonstrarmos em atos o que já conhecemos em palavras?

Seria magnífico se as pessoas estivessem surdas devido as nossas muitas atitudes coerentes com nosso discurso. Mas é justamente o contrário que observamos. Palavras vazias, não aplicadas, geram surdez:

  • Surdez da incredulidade;
  • Surdez da hipocrisia;
  • Surdez da conveniência.
O que dizer? Melhor não dizer nada, apenas ouça e pratique…
Mateus 7.24 “Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as pratica é como um homem prudente que construiu a sua casa sobre a rocha. “
Rodrigo
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Aliás, eu também não toco sanfona

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História verídica, personagens fictícios…
Eu havia convidado um grande amigo, excelente sanfoneiro, para me substituir em uma aula de doutrina bíblica. Este amigo possui um grande conhecimento bíblico e até mesmo uma formação teológica, ou seja, conteúdo não é o seu problema. Contudo algum tempo antes da data prevista para aula ele fez um contato comigo, pedindo desculpas e dizendo que não se sentia à vontade para ministrar a aula, já havia preparado o material, mas teria dificuldade de se comunicar transmitindo-o a turma.
Respondi a ele que não havia problema nenhum, entendi seus motivos, e mais, fiquei imensamente grato por avisar-me respeitosamente com antecedência. Refleti e pensei sobre o caso. Sempre considerei a timidez em dois aspectos, o primeiro diz respeito a falta de conhecimento sobre o assunto abordado o que gera na pessoa uma insegurança e por conseguinte a timidez – o que não é o caso de meu amigo; em segundo lugar a timidez crônica, aquela que acompanha o indivíduo desde sua infância e criação, podendo ou não ser herdada.

Continuei refletindo e pensando, e, no fim de nosso diálogo disse para que ele não ficasse constrangido com a escusa, aliás, eu também não toco sanfona. Percebi de maneira muito sutil, quase imperceptível caso eu não exercitasse uma reflexão sobre o acontecido, que de fato somos um corpo, um organismo onde um completa o outro, um serve ao outro. Naquilo em posso ser útil, servirei, e quando assim não for serei servido. Não tenho tudo ao alcance de minhas habilidades e conhecimentos – não conheço e não domino tudo. Quando eu quiser escutar uma boa música ao som da Sanfona, não serei eu que vou tocar, mas vou apreciar o belo som produzido pelo meu amigo.

Rodrigo